Quando
eu era criança, eu não via a hora de crescer. Queria ficar alta, independente,
casar e ter filhos. Com o passar dos anos, esse momento que eu tanto ansiava na
infância naturalmente aconteceu: eu me tornei adulta, conheci alguém que ocupou
espaço no meu coração o suficiente para eu decidir ir embora da cidade e deixar
tudo para trás – inclusive o meu viúvo pai – por acreditar piamente que esse
novo amor seria a minha verdadeira felicidade.
O
destino obediente aos meus anseios me levou para longe de casa durante longos
quinze anos. Todavia, ao desejar essas coisas, não imaginava que a vida me
cobraria de volta algumas lições muito importantes, entre elas, o significado
profundo das palavras saudade, arrependimento e perdão.
Após
todo esse período, como quem desperta de um sono, descobri o quanto eu havia me
enganado. A música de roda que eu cantarolava durante as brincadeiras de
ciranda quando pequena, era mera ilusão: O
anel que Marcelo me deu, era vidro se quebrou. O amor que ele me tinha, era
pouco se acabou. Toda promessa de
felicidade fracassou e em seu lugar, veio o decreto de divorcio.
Durante
dias, sentada na porta de casa, passei a observar o movimento das pessoas - alheias
a minha vida – que transitavam na minha rua, buscando entender que fim levaria
o meu solitário destino. Em algum momento de meu devaneio, deparei-me com o mesmo
céu estrelado que tinha na minha infância, e eu me lembrei das noites em que juntamente
com papai, sentávamos em um pequeno banco de madeira enquanto ele me contava
fatos curiosos sobre as constelações celestes.
Meu
coração apertou.
Minha
mente como um quebra-cabeça foi preenchida com memórias de quando eu pequena. Sempre
que eu me deparava com uma situação assustadora, eu apertava a mão de papai,
porque sabia que ele me defenderia. Se eu me machucava, corria até ele que
prontamente me socorria. Se eu tinha fome, não importava o quanto o alimento
era escasso, ele sempre encontrava algo bom para eu me saciar.
Ao
seu lado, eu era feliz. Completa.
Agora
adulta, tive que aprender a lutar com meus próprios problemas: mesmo apavorada diante
das situações impostas pela vida, se eu me machucava ou sentia fome, precisava
ter força suficiente para superar tudo sozinha.
Eu
estava aos pedaços e incompleta.
Papai
era humilde em todos os aspectos – sua pele castigada pelo tempo era morena assim
como os grãos de café que ele colhia arduamente. Apesar de ser possuidor de sabedorias
populares e se expressar de maneira rude, através de palavras ligeiras com
vocabulário exíguo devido ao pouco estudo (ele sabia apenas escrever seu nome),
ele era o exemplo de dignidade. Mesmo com todos esses atributos, eu jamais
consegui dizer-lhe em palavras o quanto eu o amava. O que mais uma vez provava
que eu estava errada. Eu precisava fazer alguma coisa. Eu não poderia continuar
a viver assim.
Então,
levantando-me da calçada fria, eu tomei a decisão mais importante da minha vida.
* *
* *
Eis
que após enfrentar oito horas de viagem, cruzar diversos estados brasileiros,
finalmente cheguei a uma pequena cidade do interior nordestino. Depois de andar
quase uma hora por uma estrada de terra batida, cheguei em frente a antiga casa
de portão amadeirada com paredes pintadas de amarelo na Rua das Azeitonas que
eu tanto procurava.
Era
uma manhã de domingo. Meu coração subiu a boca quando coloquei minha mala no
chão que agora parecia mais pesada do que nunca. Enquanto eu buscava coragem
para tocar o mesmo sininho de antes ainda colado no portão, um cachorro passou
por mim correndo atrás de um bem-te-vi que rapidamente abrigou-se em uma
cerejeira.
Eu
imaginava se papai estava vivo ou as maneiras em que ele possivelmente me
receberia. Em minha mente gritava a ideia de que ele me expulsaria dali à vassouradas.
Uma gota de suor desceu minha costa quando fui tomada pela covardia ao me
abaixar para pegar minha mala do chão e fugir dali “enquanto ainda tinha
tempo”, porque eu não estava preparada para ser tratada rudemente por ele,
embora merecesse isso. Ou receber a noticia de que ele não estava mais vivo.
Estava
prestes a agir conforme minha fantástica ideia, quando ouvi a porta da casa se
abrir e de lá sair o corpo familiar que eu planejava reencontrar.
-
Luzia? – perguntou, ele estreitando os olhos como se tentasse confirmar o que
via – é você que está aí?
Como
resposta a sua pergunta, de minha boca, nenhuma palavra se ouviu. Apenas
lagrimas se formaram em meus olhos.
Ele
mantinha-se da mesma maneira que eu me lembrava: chapéu com abas largas de palha
para proteger o rosto do sol, camisa de botões enfileirados na sua cor
favorita, bermuda de tecido e suas inseparáveis sandálias de dedo (que
particularmente não faziam o meu tipo, mas o deixam “mais ele” e eu gostava
delas apenas por isso). Nossos olhos se encontraram e meus olhos arregalaram
quando vi um sorriso se desmanchar como manteiga no seu rosto.
Incrédula,
coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha quando ele deixou de lado sua vara
de pescar e marchou em minha direção.
Esperei
que dele viesse um sermão ou receber um tapa de sua mão, bem merecido por meu
abandono. Contudo, ao destravar o portão, ele simplesmente me abraçou.
-
eu sabia que você voltaria, Luzia. Eu sabia! – disse, ele apertando o abraço
como se quisesse confirmar se de fato eu era real – eu orei todas as noites por
você minha filha, desde quando você fugiu com aquele rapaz, pedi a Deus que Ele
te trouxesse de volta para casa.
Estupefata,
eu desabei em seus braços.
* *
* *
Ele mantinha o mesmo bigode farto, mas
agora, suas mãos não eram tão firmes quanto antes, nem sua postura era forte e
viril como antigamente. Seus cabelos escondidos pelo chapéu agora estavam
grisalhos e sua pele, coberta por rugas. Mas, mesmo após todos esses anos, ele
continuava sendo o meu farol, o meu remédio, o meu pomar.
Papai era tudo o que eu precisava para
ser feliz.
Ele
me levou à beira do rio que ele planejava ir antes de minha chegada. Ao ajustar
a sua vara de pescar, ele me pediu para vigiar a linha presa ao anzol enquanto
ele organizava o tempero de nosso almoço.
Assim
que a vara deu sinais de que havia capturado alguma coisa, minha triste habilidade
como pescadora rapidamente foi exposta e novamente ele me socorreu, como fazia
quando eu era criança. Uma lágrima percorreu o meu rosto.
Eu
o envolvi em meus braços como fiz quando pequena. Fechei os olhos antes de
pronunciar as palavras que deveria ter dito durante toda a minha existência: -
eu te amo, papai – sussurrei em seu ouvido.
Ele
parece paralisado diante do que ouviu e eu lhe disse mais uma vez. Como resposta,
ele beijou minha testa, me permitindo sentir mais uma vez um familiar formigamento
com o roçar do bigode na pele.
-
Estou feliz por essa jornada que a vida me deu ao estar ao seu lado – falei,
apertando sua mão – eu sinto muito por ter tomado a decisão errada... Sinto
muito por me dar conta disso tão tarde!
-
nunca é tarde! – respondeu, ele à sua simplicidade – você errou minha filha,
mas está de volta. Isso é o que importa!
-
eu senti sua falta!
Ele
não pronunciou uma palavra, mas o seu semblante sereno me dizia que ele sentia
o mesmo que eu. Eu estava feliz pela esperança que nascia em meu coração de
poder recomeçar minha vida ao lado do meu pai. Do meu herói. Do meu querido
amigo.
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Abraço,
Jeiane Costa.
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